7 de mar. de 2010

Inacabada...


Eu me experimento inacabado.
Da obra, o rascunho.
Do gesto, o que não termina.
Sou como o rio em processo de vir a ser.
A confluência de outras águas e o encontro com filhos
de outras nascentes o tornam outro.
O rio é a mistura de pequenos encontros.
Eu sou feito de águas, muitas águas.
Também recebo afluentes e com eles me transformo,
O que sai de mim cada vez que amo?
O que em mim acontece quando me deparo com a dor que não é minha,
mas que pela força do olhar que me fita vem morar em mim?
Eu me transformo em outros?
Eu vivo para saber.
O que do outro recebo leva tempo para ser decifrado.
O que sei é que a vida me afeta com seu poder de vivência.
Empurra-me para reações inusitadas,
tão cheias de sentidos ocultos.
Cultivo em mim o acúmulo de muitos mundos.
Por vezes o cansaço me faz querer parar.
Sensação de que já vivi mais do que meu coração suporta.
Os encontros são muitos; as pessoas também.
As chegadas e partidas se misturam e confundem o coração.
É nesta hora em que me pego alimentando sonhos de
cotidianos estreitos, previsíveis.
Mas quando me enxergo na perspectiva de selar o passaporte
e cancelar as saídas, eis que me aproximo de uma tristeza infértil.
Melhor mesmo é continuar na esperança confluências futuras.
Viver para sorver os novos rios que virão.
Eu sou inacabado.Preciso continuar.
Se a mim for concedido o direito de pausas repositoras,
então já anuncio que eu continuo na vida.
A trama de minha criatividade depende deste contraste,
deste inacabado que há em mim.
Um dia sou multidão;
no outro sou solidão.
Não quero ser multidão todo dia.
Num dia experimento o frescor da amizade;
no outro a febre que me faz querer ser só.
Eu sou assim.
Sem culpas.

Fábio de Melo

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